A hora de perder o BV
É o momento que a maioria das meninas espera como divisor de águas em nossas vidas. As mais velhas, achava eu, exalam o cheiro de uma boca beijada, uma língua com milhas. Várias salivas trocadas, muita experiência reunida, até o bafo delas deve ser diferente.
Olhava para elas com curiosidade e com muito medo, afinal, as não virgens de boca retribuíam as olhadas com muito desprezo. “Por que essa otária tá me olhando?”.
Devia ter uns 13 anos. A escola era para mim um espaço para também exercitar a língua — ou ao menos tentar. “Vai rolar. É só aqui que vejo meninos mesmo”. Acontece que os garotos da minha idade eram amigos que não queria ter meu céu da boca massageado pela língua deles. Não tinham nada a ver comigo, eram feios ou desinteressantes para a Fernanda adole da época.
Então só restava esperar cada semestre, quando, em janeiro trocávamos de série (progressão automática, oi!), e torcer para que algum menininho tenha trocado de escola e caísse justamente em minha sala.
Já imaginaria a comoção entre as meninas populares, mas seria eu quem ele olharia diretamente, e eu retribuiria, claro. Até que em alguma aula vaga da semana, iríamos até uma árvores na quadra abandonada da escola e lá nos beijaríamos. Logo chegariam nossos amigos, que iriam gritar e zoar muito, mas seria isso. Beijo dado.
Isso nunca aconteceu. Talvez porque estabelecia internamente metas inalcançáveis para um menino estudante da escola pública da zona norte paulistana. Queria um namoradinho mela cueca, daqueles de filmes de adolescentes. Lembro, inclusive, de assistir A Nova Cinderela no SBT e imaginar o Chad Michael Murray me dando mole. Fiquei puta quando “percebi” que a realidade era diferente — nem melhor nem pior, só diferente.
Outra opção pra dar uns bejo na boka eram os passeios ao Play Center. Quando a escola organizava as idas às Noites do Terror, os alunos já planejavam a rota da pegação. Era diversão para as experientes e terror para as iniciantes. Nunca fui, por falta de tempo (me$mo).
Uma amiga minha ia sempre e contava que as meninas andavam pelo parque durante o passeio e eram abordadas grosseriamente pelos meninos. A tática não consensual era quase um desejo por elas, via várias ansiando para ter seu moletom Onbongo puxado por um qualquer que mal dá para ver o rosto.
Elas achavam legal. Eu ficava assustada.
Fui trocar salivas pela primeira vez lá no cursinho, com 16 anos. Não foi do jeito que imaginei nem com o protagonista de um filme americano que pensava, mas aconteceu. Foi estranho, esquisito, mas ao mesmo tempo, legal. A verdade é que não tenho uma memória viva do momento, foi rápido, salivento e cheio de mãos nervosas para lá e para cá. Aliás, lembro sim: todo cheiro de salgado de presunto e queijo me lembra o momento do beijo. A gente ficou perto de uma cantina.
In ou felizmente, eu era a mesma de sempre; não olhei torto pra nenhuma outra mina, nenhum boyzinho notou minha expertise assim de cara e nem com bafo fiquei.
Depois que beijei, até achei que a SOCIEDADE perceberia que agora eu estou no ramo das bitocas, mas ninguém notou.