A vida de mulheres

Fernanda Nunes
5 min readFeb 11, 2022

--

Se a vida que eu vivo é diferente da sua — ainda que eu não faça ideia de quem você seja — por que a gente ainda trata a vida das mulheres como se fosse tudo igual? Tô perguntando pra você, feminista de internet.

E eu nem tô falando do quão difícil a minha ou a sua vida possa ser. Tô falando de diferenças básicas mesmo, de gostos, opiniões, jeitos, maneiras, e tantos outros que compõem o básico de ser ser humano. Não é tão difícil assim.

O feminismo de internet, aquele feito por twitteiras raiz, as donas da verdade, aquelas que militam forte, são atentas a cada vírgula, sabem de tudo sobre a vida de todo mundo. As militudas vigiam a vida das outras pessoas sob o pretexto da falsa sabedoria da complexidade humana, reduzindo tudo a algo que elas só compreendem com base da vidinha cu que possuem.

mais uma opinião lacradora tirada do furico por uma twitteira

E isso é absolutamente normal, do ponto de vista comportamental. Eu só consigo falar daquilo que já vivi, e mesmo que conheça pessoas que tenham uma vida semelhante a minha, não posso achar que isso é unanimidade. Unanimidade mesmo só a dor, a morte e o cu. Mas na militância sensata isso não existe.

No fim de janeiro de 2022, uma “influenciadora” de Twitter (favor não confundir com influenciador de Instagram; um é “inteligente”, o outro, não #contémironia) publica por lá que “ser pai é bom demais” (print acima) porque um integrante do BBB deve ficar confinado por no máximo três meses enquanto seu filho, de cinco meses, está com a mãe. Não discordo da moça, ser pai deve ser bom demais mesmo. Mas a vida que ela vive não é a vida que os pais da criança vivem, simples assim.

Interpretando o tweet da gata, ser mãe não é bom, visto que não seria possível uma mulher deixar uma criança de cinco meses com alguém enquanto tenta ganhar uns trocados no programa de TV. Segundo ela, a mãe tem ou teria mais deveres e obrigações do que o homem, e isso deveria ser exposto.

Com base, claro, numa relação em que ela desconhece — a gente só pode falar daquilo que a gente sabe, certo? E se eu não sei, me baseio na minha vida para falar, e se for errado ou não, aí o problema é SEU. Será mesmo?

Qual o limite?

Isso nos faz refletir para onde queremos chegar com essas frases prontas, cheias de si, de “verdades” alucinantes que deixam até o mais careca de cabelo em pé.

“Ser pai é bom demais” traz um debate na sociedade ou vira mais um lamento na internet? Sinceramente não sei responder. Se somos tão fodas como dissemos ser, por que ainda vivemos de indiretinhas, lacrações e etc na internet? É para mostrar que a vida da mulher (neste caso, da mulher mãe) é difícil? Isso nunca foi segredo! É para reforçar, então? Para quem? Para os homens? E o que a gente ganha com isso?

“Ser pai é bom demais” mostra que o homem tem menos atribuições na criação de uma criança, pelo menos foi o que entendi. Beleza. E o que fazemos com essa informação? Se a ideia é enfatizar a nossa dor e mostrar para os pais de que ser mãe é difícil, sinceramente não vai colar. É um grito de desespero que nunca colou. Fala sério, a gente AINDA precisa disso?

A militância mostra tanto que sabe de tudo, mas julga os outros com a régua da vidinha bunda que a galera vive, com privilégios, dinheiro, conforto, ganhando uma graninha fazendo #publi e achando a vida difícil pra caramba porque o marido, que elas achavam que era perfeito, na verdade é igual a quase todo homem.

E o que elas fazem em contrapartida? Pegam uma história que elas desconhecem, falam o que querem falar e depois chamam o exército das fadas sensatas para protegê-las de todo o mal, amém. É isso mesmo?

se você discorda de mim, você não é mulher!!!

Não quero dizer que a vida dessas gatas são menos ou mais fáceis do que a de uma mulher operária vivendo na periferia. Não é as Olimpíadas das Fodidas. É a vida, cada uma tem a sua, e esse papo quase esquizofrênico-pedindo-ajuda não costuma dizer nada. Na verdade diz: que elas não têm nada a oferecer a não ser reclamações e lacrações aleatórias.

Cuidado com a discordância ou você pode pegar a praga da gravidez!!!! (Esse tweet poderia muito bem ser resolvido com uma boa conversa entre o pai da criança e uma terapia, hein? Olha eu aqui analisando a vida alhei com base na minha vida)

“Ser pai é bom demais”

Se a paternidade incomoda em seu relacionamento mais do que a maternidade, então faça a paternidade incomodar da mesma maneira. Se a galera espera que os homens botem a mão na consciência ou levem o print do tweet para debater num grupo de hétero tops que falam só de futebol, sinto em lhe dizer que ninguém vai fazer isso. Não é fácil, mas vamos combinar que a outra alternativa, absolutamente, não é fazer tweet boladona.

Quer a mudança? Comece quebrando os ciclos que você não gosta, resmungar sob o pretexto de “sou mãe, EU ENTENDO” já não cola mais. Pelo ao contrário, só fala mais de você do que dos outros.

Saia da bolha, seja a mudança e não use a maternidade como punição às demais mulheres. Ser mãe e pai não é bom demais, dividir tarefas não é fácil, mas a reclamação tem que ser direta e não ampla e irresponsável como foi no tweet, acusando o cara de ser um mau pai sem saber de acordos que ele possa ter tido com a mãe da criança. A mãe da criança teve que dar a resposta:

Percebem como isso diz muito sobre quem escreveu o tweet do que do BBB em si? O “combinado não sai caro” não existe como alternativa na cabeça da militância, o que me faz pensar quando a pessoa fez combinados na vida.

Se a gente é braba mesmo como dissermos ser, tá na hora de botar a boceta na mesa e pedir por ajuda. E parar de ser chata para um caralho.

--

--

Fernanda Nunes

na maioria das vezes, os textos vêm quando vou dormir