Inspiração errada

Fernanda Nunes
2 min readJul 6, 2021

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Feminismo é aquele conceito bonito de que direitos devem ser iguais para mulheres, no campo político, econômico e social. Na teoria é lindo, na prática é interessante, considerando que avançamos muito a luta por justiça desde que a sociedade é sociedade.

Te falaram que mulher tem que ser super-heroína: trabalhar, ser gostosa, ser mãe presente, fazer comida, cuidar da casa e ainda estar depilada para seu homem que nem transa tão bem assim, mas que você faz esse esforço.

Ah, te falaram também que no trabalho você tem que ser fodona: tem que ser falante, cheia de opinião, forte, rígida, demandante. Ordem, ordem, ordem. Porque você nunca teve uma vida ordenada, e como você conquistou esse assento destinado aos homens que é ser chefe, então você tem que mostrar ordem no barraco.

Mas mulher é doçura, fofura… Ou melhor, pelo menos te ensinaram isso. Mas você NÃO vai ser, porque trabalho é trabalho, é algo sério! Sem risadinha. Então você pesa a mão com as pessoas, porque “a vida é assim”; isso acontece uma, duas, três vezes. A primeira grosseria gratuita que você distribuiu entre os coleguinhas te deu calafrios, mal dormiu à noite. A segunda e a terceira foram mais fáceis de lidar, até que virou rotina mostrar que você é fodona mesmo. Até porque precisa mostrar.

Você ainda tá perdida. Não que seja incompetente, mas te assusta a hipótese de alguém achar que é. Você não pode dar brecha, ainda que distribua alguns sorrisos de vez em quando, porque você sabe que sorrir é bom — pra você.

De repente, você está sobrecarregada, sem conseguir lidar com nada, mas com a imagem da mulher fodaralha intacta. De longe, as pessoas pensam: gente, que mulherão da porra. Olha como ela equilibra vários pratos sem cair! Você gosta bastante dos elogios, retribui sendo cada vez mais o que você se tornou, afinal, se estão elogiando é porque está dando certo. Uma noite, exausta na cama e loucona de Rivotril, você até pensou para quem estaria dando certo, mas logo buscou divagar sobre outra coisa.

Uma vez você gritou em uma reunião, todo mundo se assustou e o comentário de corredor foi: você é chata, mas gritar é histeria. Estranho, porque você já viu seu chefe gritando, e o comentário principal das pessoas sobre ele era: porra, o cara é foda. Meteu o pau na mesa e resolveu.

Você virou um cartaz de insegurança e afirmação, que em outras peles pega bem, mas não em você. “É o que dá mulher querer ser homem”, fofocaria alguém da sua equipe na reunião, mas você não reage para não parecer mulher.

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na maioria das vezes, os textos vêm quando vou dormir

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