Lugar ao Sol

Fernanda Nunes
2 min readJun 17, 2021

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dia de tirar a barriga da miséria

No fim de 2010, terminei o ensino médio e se tudo desse certo, como deu, entraria na faculdade no próximo ano.

Estudava numa escola pública na zona norte de São Paulo, e para quem não está familiarizado, é uma mistura de depósito de adolescentes, professores deprimidos, várzea e muita aula vaga. Como grande parte das escolas, não era um lugar legal e sentia uma raiva grande de saber que eu mais perdia meu tempo do que ganhava aprendendo alguma coisa.

Como o “terceirão” já ia ganhar o passaporte da vida adulta em muito breve, fomos autorizados pela diretoria da escola a fazer uma festa de despedida no último dia de aula, na sala de aula mesmo. Cada um ficou responsável por trazer um quitute ou bebida, juntamos umas mesas bambas aqui e ali, pegamos um lençol da tia de alguém, e pronto. O banquete era formado por salgadinhos, refrigerantes, bolos, bolachas e o que mais dava para trazer.

Foi um momento de nostalgia, misturado com medo, saudades e um “graças a deus, acabou”. Conhecia meus colegas desde 2004, então iríamos sentir falta um do outro (mas que passa rs). Compartilhei, com pelo menos umas 30 pessoas, o mesmo quadrado por anos, estávamos no mesmo barco que o governo estadual teimava em furar. Fizemos cartinhas de despedida, levei uma câmera digital e pudemos registrar este momento das nossas vidas.

Naquele momento, Charlie Brown Jr. era a banda favorita da sala, pois havia uma grande identificação na maioria das letras. Num mundo em que caixinha de bluetooth era sonho (e isso era 2010!!!!), o celular no viva voz fazia a vez de boombox para ouvirmos Lugar ao Sol.

Cada um com uma realidade diferente, sofrendo e vivendo, mas compartilhando um sentimento de “pós-gratidão”: ouvir essa música era um lembrete de nós para nós, ainda que esse “nós” fosse criado em um lugar quase inócuo, sem vida, como era a escola que estudava.

“Um dia eu espero te reencontrar numa bem melhor
Cada um tem seu caminho, eu sei foi até melhor”

Hoje ouvi essa música por acaso no modo aleatório do Spotify e instantaneamente me transportei para aquele lugar, que de certa forma, é o puro suco de Brasil.

Relembrei dos “colemigos”, e o que devem estar fazendo hoje, e também no que me tornei, passados esses 11 anos. Em tempos tão prósperos como aqueles, tínhamos a clara certeza de que nos daríamos bem em qualquer área, afinal, há menos de dois anos, éramos o tal do “Brazil takes off” que de certa forma, dava-nos uma esperança gigantesca em olhar para todos os colegas do passado e pensar: nos vemos por aí.

Não vi quase ninguém em minha trajetória até aqui. Pelo ao contrário, por onde passava, não via ninguém que parecesse com meus colegas.

Nossas vidas, nossos sonhos têm o mesmo valor?

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na maioria das vezes, os textos vêm quando vou dormir

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