Nem 2 minutos
Som de interfone tocando. Imagine aí um trimmm trimm bem rapidinho.
- Opa! Boa noite!
-Pizza.
-Obrigada, tô descendo.
Visto um casaco cumprido para cobrir a calça furada, coloco minha máscara e desço as escadas. Do tipo caracol, vale ressaltar. Quatro andares. Chego ao térreo, o porteiro me cumprimenta apenas com o olhar — sua cabeça estava direcionada ao celular, pendurado sob mil artimanhas para ficar deitado, assim é melhor para ver tv. De longe, vejo as fitas iluminadas do casaco do entregador, que denunciam que a voz monossilábica (ou monopalavrática? se você souber me avisa) do interfone tava certa.
- Boa noite, pedido da Fernanda?
- Boa noite, isso!
Ele tira uma pizza fumegante da mochilaça e uma coca-cola na sacola.
- Aqui está sua coca-cola. Boa noite!
- Valeu, boa noite!
O caminho precioso entre sair da portaria e ir para a área comum é planejado: andar o mais rápido possível sem cair (sim, eu conto com essa possibilidade) enquanto seguro a pizza e a coquinha e sem parecer, obviamente, uma doida que tá com pressa besta. O objetivo é: não perder um segundo sequer da quentura da pizza. A boa notícia é que a essa hora da noite ninguém pede os dois elevadores do condomínio, que estarão no térreo esperando por mim.
Mas o elevador direito tava no oitavo e o elevador esquerdo estava no décimo terceiro.
Chamo pelos dois e aceito minha derrota. Já me culpo por não termos esquentado o forno uns 15 minutinhos antes, porra, mas também por que vai fazer frio em SP em janeiro? Aí esfria a pizza…
O elevador direito tava no sétimo e o elevador esquerdo estava no décimo segundo.
Olhei para o Seu Luiz, que me deu um sorriso pelo olhar — deduzi, ele tava de máscara — e continuou a manter seu olhar fixo no celular. O som estava alto o bastante para eu ouvir a mensagem motivacional de uma voz aveludada que citava versículos da Bíblia e mantras coach.
O elevador direito tava no sexto e o elevador esquerdo estava no décimo primeiro.
Fizeram uma reforma no hall dos elevadores e nem percebi. Colocaram umas placas de madeira e atrás delas uma LED amarela para marcar o contorno. Ficou legal.
O elevador direito tava no quinto e o elevador esquerdo estava no décimo.
Percebi também que chegaram uma pia e um gabinete para algum morador. Confabulei se tudo aquilo havia chegado naquela noite mesmo ou a pessoa deixou lá por deixar. Não me julga não, tô esperando o elevador e não trouxe meu celular.
O elevador direito tava no quarto e o elevador esquerdo estava no nono.
“E Jesus, irá elevar sua alma se você orar e pensar positivo. A vida é um sopro e dela só escaparemos para a vida eterna…”
O elevador direito tava no terceiro e o elevador esquerdo estava no oitavo.
Será que a pizza esfriou? Quanto tempo já se passou? Quando subir vou pesquisar o quão moderna é a tecnologia de elevadores para saber se eles evoluíram ou ainda mantém coisas lentas dessa maneira. Ah, vou sim.
O elevador direito tava no segundo e o elevador esquerdo estava no sétimo.
“Obrigatório o uso de máscara. Decreto 64.959, de 4 de maio de 2020. Resolução SS 96, de 29 de junho de 2020. Denúncias: 0800–771–3541. São Paulo. Governo de São Paulo”.
O elevador direito tava no primeiro e o elevador esquerdo estava no sexto.
Olho para meus pés e reparo nas minhas unhas. Não posso esquecer de cortá-las o quanto antes.
O elevador direito tava no térreo e o esquerdo estava no quinto.
Quando o elevador direito chegou e fez o barulho tradicional de GLUB ao “pousar no solo” ou seja lá o que isso for, respiro aliviada pela demora finita.
Abro a porta, dou boa noite ao seu Luiz e aguardo, os mais longos segundos novamente, dessa vez dentro do elevador.