Vem pegar seu troféu

Fernanda Nunes
2 min readMay 19, 2022

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Tem um termo praquelas mulheres “padrão”, tipo perfeitas, sem defeitos, que andam de mãos dadas com homens de índole duvidosa: chaveirinho. Ela geralmente vem acompanhada de jogadores de futebol, lutadores de MMA ou qualquer outra atividade bruta que mostre o quão fortão o cara é e quão delicadinha e pomposa a moça é. É preciso contrastes para realçar quem a gente é de verdade.

A gata vem perfeita, cabelo alisado (claro que é uma mulher branca e loira, né), silicone no grau e aquele olhar blasé de “só tenho olhos para esse brutamontes do meu lado”. Talvez nem seja verdade porque, do lado do cara, nem olhos ele tem mais. Seu objetivo é criar evidências.

- Pô, Fulano, ontem eu fui almoçar no Coco Bambu com a gostosa da Juliana! Mó gata, estilo Panicat.

- Mas e aí, transaram?

- Não, tiramos umas fotos pro Instagram e deixei ela em casa. Não quero me envolver, a gente sabe que depois elas ficam ciumentas e loucas.

Em um momento da vida, fiquei com um cara e tudo rolava bem legal. Ele me disse, certa vez, que comentou com um amigo sobre nossa ficada — que agora virava mais séria. “Eu disse a ele que, além de você ser legal e inteligente, tem uma bunda enorme”. Eu ri porque me pegou de surpresa, mas passei alguns dias pensando na sutileza do comentário — de dizer isso a mim e ao amiguinho. Por quê?

Lembrei dessa história como exemplo do comportamento de muito homem hétero em transformar a mulher em achievement, como dizem os gringos. Parece aqueles objetivos de videogame que são relativamente difíceis (mas de forma alguma, intimistas) e que eu preciso contar pra todo mundo que ganhei o kit de espadas lendário do Ghost of Tsushima (tô jogando esse no momento, por isso a referência).

Não existe o contrário, mulheres gritando aos sete ventos que saiu com o Beltrano ou que chupou a bola do Ciclano. Tudo isso, claro, depois de tentar eliminar qualquer fator de risco, como a brochação, a sujeira no pau e a preguiça do homem médio hétero comum. Pode existir o homem chaveirinho, mas a mulher pode passar por missões quase insalubres antes de sair gritando por aí.

Mas tem o mesmo efeito? Dizer que eu fui comida pelo Brad Pitt é a mesma coisa que o Brad Pitt dizer que tá comendo a Fernanda Bunda Grande do Brasil? Você refletiu aí e você já sabe a resposta.

Esse texto é mais uma reflexão sem propostas de “vamo galera mulheres” porque ultimamente isso tem me cansado. Aliás, tenho ideias que vêm da Beyoncé, e que deixo para interpretação:

How did it come down to this?
[…]
I don’t wanna lose my pride, but I’ma fuck me up a bitch
Know that I kept it sexy, you know I kept it fun
There’s something that I’m missing? Maybe my head for one

What’s worst, lookin’ jealous or crazy?
Jealous or crazy?
Or like being walked all over lately, walked all over lately
I’d rather be crazy

Entre ser chaveirinho, troféu e louca, prefiro ser louca.

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Fernanda Nunes

na maioria das vezes, os textos vêm quando vou dormir